domingo, 22 de maio de 2016

A Classificação de 1855






Documento oficial com a “nomeação” dos principais Chateaux de Bordeaux às categorias criadas com a Classificação de 1855.

           

Ler um rótulo de uma garrafa de vinho nem sempre é uma tarefa simples. Nomes, números, cepas... Para o leigo ou mesmo aquele habituado a ocasionalmente abrir um vinho, provavelmente é mais fácil a leitura das informações de uma garrafa oriunda de um dos países do “Novo Mundo” (por exemplo, Chile ou EUA): os produtores, muitas vezes desejosos por atingir um grande público, tentam deixar o mais acessível possível a forma de entendimento das informações.



Com os países do chamado “Velho Mundo” (França, Itália, Espanha, por exemplo) vêm o desafio. Há, é verdade, um bom número de produtores, em geral os mais novos, que vêm adotando as práticas de rotulagem utilizadas por chilenos, estadunidenses, argentinos, etc. No entanto, os grandes vinhos europeus (e mesmo alguns do Novo Mundo) possuem informações por vezes muito “técnicas”: o distrito ou comuna específicos onde são produzidos (por vezes até mesmo um vinhedo), o método de produção, termos que designam o assemblage e... classificações recebidas na sua região de origem. Com relação a esta última informação, é notória a preocupação na França quanto à distinção qualitativa dos produtores considerando uma nomeação recebida em reconhecimento à qualidade do seu produto. E, sem dúvida, uma das classificações mais conhecidas (talvez a mais conhecida) de vinhos seja a de Bordeaux, originada em 1855.



Ordens do Imperador




Rótulo do “vinho principal” do Château Cheval Blanc, safra 2008.




Em 1851, o príncipe inglês Albert, marido da rainha Vitória, organizara em Londres a primeira Exposição Universal (ou Mundial), evento que reuniria diversos países industrializados a fim de promover o comércio e apresentação do que era produzido nestes lugares. Até os dias atuais, o evento é realizado, sem um intervalo “padrão” para seu acontecimento. A próxima Exposição Universal ocorrerá em Astana, no Cazaquistão, em 2017.


O evento foi um grande sucesso, e Paris havia sido escolhida como a sede da próxima Exposição. Este foi um motivo de grande orgulho do imperador francês Napoleão III, que então buscava assumir, no continente europeu, uma posição de protagonismo. Entre a pauta de produtos que seriam expostos pela França constava, sem dúvida, o vinho. E, à época, o vinho mais prestigioso na França sem dúvida era aquele produzido em Bordeaux, que, portanto, deveria ser o “carro-chefe” do país na Exposição. No entanto, ciente de que, por mais que os produtores bordaleses mantivessem um bom nível qualitativo de produção, haviam vinícolas (chateaux) de maior reputação e detentoras de produtos de maior qualidade e, portanto, de preços mais altos em relação a outros, Napoleão III solicitou que fosse criado um sistema de classificação levando em consideração tais aspectos (reputação e preço de mercado, em especial).



O sistema foi criado em 1855, a tempo do prestigioso evento, e hierarquizou da seguinte forma os vinhos produzidos em Bordeaux:


  • Premiers Grands Crus - Haut-Brion • Lafite Rothschild • Latour • Margaux • Mouton Rothschild (1973);

  • Deuxièmes Grands Crus - Baron Pichon-Longueville • Brane-Cantenac • Cos d'Estournel • Ducru-Beaucaillou • Durfort-Vivens • Gruaud-Larose • Lascombes • Léoville Barton • Léoville Las Cases • Léoville Poyferré • Montrose • Pichon Longueville Comtesse de Lalande • Rauzan-Gassies • Rauzan-Ségla

  • Troisièmes Grands Crus - Boyd-Cantenac • Calon-Ségur • Cantenac-Brown • Desmirail • Ferrière • Giscours • Issan • Kirwan • La Lagune • Lagrange • Langoa Barton • Malescot St. Exupéry • Marquis d'Alesme Becker • Palmer

  • Quatrièmes Grands Crus - Beychevelle • Branaire-Ducru • Lafon-Rochet • Duhart-Milon-Rothschild • Marquis de Terme • Pouget • Prieuré-Lichine • Saint-Pierre • Talbot • La Tour Carnet

  • Cinquièmes Grands Crus - d'Armailhac • Batailley • Belgrave • de Camensac • Cantemerle (1856) • Clerc-Milon • Cos Labory • Croizet Bages • Dauzac • Grand-Puy-Ducasse • Grand-Puy-Lacoste • Haut-Bages Libéral • Haut-Batailley • Lynch-Bages Lynch-Moussas • Pédesclaux • Pontet-Canet • du Tertre



A classificação acima levou em consideração a reputação e preço atingidos pelos vinhos tintos produzidos nos chateaux. Porém, também foi criada uma classificação para outro produto reputado de Bordeaux: seus vinhos brancos doces, produzidos nas sub-regiões de Sauternes e Barsac. Segue a classificação, conforme abaixo:


  • Cru Supérieur: Yquem

  • Premiers Crus: Climens • Coutet • Guiraud • La Tour-Blanche • Haut-Peyraguey • Lafaurie-Peyraguey • Rabaud-Promis • Rayne-Vigneau • Rieussec • Sigalas-Rabaud • Suduiraut

  • Deuxièmes Crus: d'Arche • Broustet • Caillou Doisy Daëne • Doisy-Dubroca • Doisy-Védrines • Filhot • Lamothe • de Malle • Myrat • Nairac • Romer • Romer du Hayot • Suau




Château d’Yquem.



As classificações têm se mantido inalteradas desde então, exceção feita ao Château Mouton Rothschild, promovido de Deuxième Grand Cru para Premier Grand Cru em 1973. Naturalmente, desde então houve diversas manifestações de produtores, seja por seus produtos terem adquirido, com o passar do tempo, reputação e preços superiores à categoria inicialmente enquadrados; seja por sua ausência da classificação realizada; seja por sua região ter sido ignorada (exceção feita ao Premier Grand Cru Château Haut-Brion, do distrito de Graves, os demais vinhos são produzidos nos distritos de Médoc e Sauternes-Barsac). Desde então, surgiram classificações “paralelas”, como a de 1932, quando foram criados os Crus Bourgeois (“Crus” burgueses, uma resposta aos “Crus” supostamente aristocráticos de 1855) ou a de 1955, de Saint-Émilion.



Château Pétrus, safras 1982 e 1990. Este produtor encontra-se localizado na comuna do Pomerol, em Bordeaux. Seus vinhos possuem prestígio e preços muitas vezes superiores aos “Premiers Grand Crus” da Classificação de 1855. A safra 1982 deste vinho atingiu preços estratosféricos em leilões recentes.




O sistema criado em 1855 foi benéfico para a região. Estimulou a organização de todos os produtores: para os dela pertencentes, a necessidade de manter um elevado nível de qualidade, que faça jus ao nome eleito para a ela pertencer; e para os que não constam da classificação, a motivação para se organizarem, mesmo que de forma paralela, e produzirem rótulos dignos da reputação e qualidade existentes nos vizinhos “aristocráticos”.





Os vinhos “Premier Grand Cru” de Bordeaux: da esquerda para a direita, Château Mouton-Rothschild, Château Latour, Château Haut-Brion, Château Margaux e Château Lafite Rothschild.




domingo, 15 de maio de 2016

Sudoeste da França



  
Domaine de Papolle, tradicional vinícola da Gasconha.


            Bordeaux é, talvez, a região vinícola mais afamada e prestigiosa da França e do mundo. A fama foi construída ao longo dos séculos, em parte auxiliada pelas potências mercantes que ali compravam seus vinhos – e mesmo adquirindo lotes de terra e criando seus produtos – e, claro, ao terroir ali existente e à sensibilidade dos produtores, extraindo o máximo de qualidade de cada safra. Também podemos citar uma “jogada de marketing” dos proprietários da região, mas é um assunto que merece um post à parte.

            Se a França pudesse ser comparada a um bolo, certamente teríamos 3 “cerejas” – ou uvas - em seu topo, a saber: Bordeaux, Borgonha e Champagne. E, sem dúvida, teríamos um “coadjuvante” digno ao redor da cereja bordalesa: a Gasconha e o sudoeste francês.

           


Sua História

A França possui uma história riquíssima, e certamente a Gasconha e Aquitânia têm muito a nos contar. Habitada desde antes da ocupação romana da região pelos aquitanos, população “bárbara” que falava um idioma próximo ao atual basco. Ocupavam uma área que abrangia desde a margem esquerda do Rio Garona (Garonne) até os Pireneus.



Mapa do Império Romano do Ocidente. A região da Aquitânia encontra-se em verde.



           
Por volta de 50 a.C., a região foi conquistada pelas tropas de Júlio César. Foi batizada de Aquitânia, cuja origem é incerta: teorias apontam para o termo latim aqua, em alusão aos diversos rios que descem dos montes Pireneus em direção à região. Porém, os romanos chamavam algumas das tribos que também viviam na região de ausci, corruptela do nome basco eusk para a referida tribo, o que pode ter dado origem ao nome da então nova província. O imperador seguinte, Augusto, criou em 27 a.C. a província da Gália-Aquitânia, de maiores dimensões por abranger até o vale do rio Loire, habitada pelos recém-conquistados gauleses.

Com os romanos, veio a vitivinicultura. Há registros históricos do século I d.C. da existência de villas – grandes propriedades pertencentes aos mais ilustres cidadãos romanos – com barris de cerâmica para armazenamento dos vinhos ali produzidos.

Mais tarde, em 297, com a reforma administrativa promovida pelo imperador Diocleciano, a Gália-Aquitânia foi dividida em 3 províncias: o território ao sul do rio Garona foi re-batizada com o nome de Novempopulânia – “terra das nove tribos” e os demais, em Aquitânia I e II. A Novempopulânia correspondia, a grosso modo, à atual Gasconha.




Villa romana, localizada nas proximidades de Saint-Mézard, condado de Gers, onde foram localizados barris para armazenamento de vinhos.



Poucas décadas mais tarde, o Império Romano do Ocidente começou a sofrer severamente com as incursões dos povos ditos “bárbaros” aos seus domínios. Com a Novempopulânia não foi diferente: em 407, a região foi tomada pelos vândalos e, cerca de 8 anos depois, pelos visigodos, que a incorporaram ao seu reino. Domínio este que perduraria até o ano 507 quando os francos tomaram a região, obrigando a fuga visigótica para a península Ibérica. As inquietações na região, porém, não cessaram, devido à distância da mesma em relação ao centro administrativo do Reino Franco e relativa dificuldade para mantê-la sob controle.  Assim sendo, os vascões, ramo genealógico dos bascos da Espanha, tomaram o sudoeste francês e o mantiveram em sua posse por quase toda a Alta Idade Média. O nome atual da região deriva da “latinização” do nome Vascônia.

            Em 842 aportam os primeiros navios normandos – vikings – na região, que logo é conquistada, situação que perduraria até 982, quando foram expulsos pelos exércitos da própria região. Incapaz, porém, de garantir a unidade dos territórios, o processo de feudalização tem inicio: proliferam-se as propriedades auto-suficientes.

            Em 1122, nascia na região Eleanor - ou Leonor, filha de Guilherme X, duque da Aquitânia e Gasconha. Eleanor tornar-se-ia herdeira do ducado e de outras regiões do que hoje é a França, as quais eram de posse de seu pai: tornara-se, aos 15 anos, a noiva mais desejada do reino de França. Escolheu como seu marido o rei Luis VII, vindo a casar-se em 1137 na catedral de Bordeaux.





Representação do casamento de Eleanor de Aquitânia e Luís VII em 1137.



            Mulher de forte personalidade, Eleanor estimulou e auxiliou o marido no preparativo e mesmo participando da Segunda Cruzada contra os muçulmanos. Porém, durante a Cruzada, começam os desentendimentos quanto ao objetivo do exército francês no Oriente Médio e, algum tempo depois, o casamento seria anulado por suposta consangüinidade. Recuperada a “independência” da região da Gasconha e Aquitânia, porém por pouco tempo: no mesmo ano da separação, Eleanor casou-se com Henrique II, inglês da dinastia dos Plantagenetas que viria a tornar-se rei da Inglaterra. Eleanor, portanto, foi em sua vida rainha tanto da França quanto da Inglaterra. Tornou-se mãe dos futuros reis ingleses Ricardo Coração de Leão e João sem Terra. Separaram-se ao final da década de 1160, quando Eleanor retomou o ducado. No entanto, instigou seus filhos mais velhos a lutarem contra Henrique II, que a encarcerou por 16 anos, a partir de 1173. Libertada em 1189 com a ascensão de seu filho, Ricardo, ao trono, tornou-se regente a Inglaterra até a sua morte, não mais regressando à Gasconha/Aquitânia.

            À época, a viticultura já constituía a principal atividade agrícola da região. No entanto, não era voltada exclusivamente para a produção de vinho: desde o tempo dos romanos, a Gasconha era muito conhecida pelo Armagnac, aguardente vínica de alto teor alcoólico, amplamente utilizada na Idade Média como remédio durante as severas epidemias do período. As uvas predominantes então na região eram a Ugni Blanc e a Colombard, bastante apropriadas para vinhos de boa acidez e para destilação.



Colombard.



            Os anos se passaram, com a região já incorporada ao reino de França, porém com fortes influências da cultura basca. Seus vinhos eram muito apreciados, em especial os produzidos em Cahors e, graças ao matrimônio de Eleanor e Henrique II, o produto da região conquistara o mercado britânico. No entanto, a região vizinha de Bordeaux, que gozava de enorme prestígio junto ao seu principal mercado – também os ingleses – pressionaram a Coroa inglesa a taxar pesadamente os demais vinhos produzidos no país, em especial os da Gasconha. Estes, além dos tributos, somente poderiam ser comercializados com os ingleses após toda a produção de Bordeaux ser inteiramente comercializada. Tais privilégios somente seriam revogados pelo Ministro das Finanças de Luis XVI, Jacques Turgot, em 1776

            Após a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas, a produção vinícola regional alcançara o seu apogeu, com mais de 50 mil hectares plantados: a região resistira bem às ondas de pragas que assolaram em particular o sul da França em meados do século XIX, até a chegada da filoxera, pulgão oriundo da América do Norte cuja chegada à Europa provavelmente via Vale do Rhône devastou as plantações da Gasconha. A situação foi particularmente dramática em Cahors, tradicional produtora de tintos a base de Malbec, cepa muito vulnerável à praga.




Videira atacada pela filoxera.



            Com a descoberta da utilização de porta-enxertos de videiras americanas para o plantio das frágeis variedades européias na década de 1870, o problema ocasionado pela filoxera foi debelado – exceto no caso da Malbec, em que foram necessários mais 70 anos para a identificação de um clone resistente e que se adaptasse bem à enxertia. Um século depois, surgem as primeiras AOCs, regulamentando de forma segmentada as principais sub-regiões do sudoeste francês.


           
           
Sua Localização





Mapa da França, com a região da Aquitânia destacada em laranja.



            A Aquitânia, região administrativa no sudoeste francês, é delimitada fisicamente a oeste pelo Oceano Atlântico, ao sul pela fronteira com a Espanha – montes Pireneus – a leste pelas regiões do Midi-Pyrénées – que, em termos de história e produção vinícola, está intimamente ligada a Aquitânia - e Limousin e ao norte pelo rio Garona/Dordonha.


            


Mapa vitivinícola da Gasconha.



            A Gasconha vinícola propriamente dita localiza-se na porção mais meridional da Aquitânia, próxima aos Pireneus. Suas principais cidades são Toulouse, Pau, Bayonne, Biarritz e Bergerac.



Seu Clima e Solo

            A região possui, assim como Bordeaux, clima predominantemente marítimo, de forte influência atlântica, porém com influências continentais a leste. A primavera é bastante chuvosa, porém as demais estações são bem ensolaradas.

            O solo da região é de aluvião, principalmente, embora seja possível encontrar áreas com composição também argilosa ou arenosa.

            Dadas as características de clima, solo e relevo, bem como em relação a agricultura praticada, a Gasconha em particular é conhecida por alguns como a “Toscana da França”.



Suas Sub-Regiões




Domaine du Tariquet.


            O Sudoeste francês possui um emaranhado de sub-regiões, as quais são responsáveis pela produção de bons vinhos tintos, brancos – secos ou doces – e rosados, principalmente. Seguem as principais denominações:


         - Ariège IGP: talvez uma das mais conhecidas IGPs francesas, localiza-se aos pés dos Pireneus, na fronteira com Andorra e Espanha. Produção majoritária de tintos, e não há utilização de cepas autóctones;

- Aveyron IGP: localizada no centro do planalto de Aveyron, é um mosaico de influências macroclimáticas: a norte e a leste, o continental; ao sul, influência mediterrânea e, a oeste, marítima. Produção predominantemente tinta;

- Comté Tolosan IGP: grande IGP, próxima a Toulouse, produz mais de 200.000 hectolitros de vinho anualmente. Aqui há um equilíbrio no percentual representativo de cada estilo de vinho produzido. Além dos tintos, brancos e rosados, também são produzidos espumantes;

- Côtes de Gascogne IGP: maior IGP – Indicação Geográfica de Procedência – da região, de produção majoritariamente de vinhos brancos e legislação mais branda para a vinificação. 75% de sua produção é exportada, composta majoritariamente de vinhos tintos, embora sejam produzidos brancos e rosados também, bem como o famoso destilado de aguardente vínica Armagnac;

          - Côtes de Bergerac IGP: esta IGP localiza-se ao longo do curso do rio Dordonha. Seus vinhos – tintos e brancos – são famosos desde a Idade Média, e foram os que mais sofreram com as pesadas taxações impostas pelos ingleses e bordaleses ao produto francês não oriundo de Bordeaux;
  
- Côtes du Lot IGP: de relevo bastante variado, o que se reflete no solo e nos vinhos produzidos, esta IGP localiza-se ao norte da região. Terra natal da cepa tinta Malbec;

- Côtes du Tarn IGP: cortada pelo rio Tarn, esta IGP compreende cerca de 400 produtores que conciliam métodos tradicionais e modernos na produção de seus vinhos;

- Brulhois AOP: à margem esquerda do rio Garona, esta AOP é conhecida pelos tânicos e robustos vinhos tintos produzidos, com boa aptidão para a guarda. Também são produzidos rosados;

- Cahors AOP: talvez a mais conhecida AOP de todo o sudoeste francês, Cahors está incrustada na IGP Côtes du Lot e é o berço da cepa tinta Malbec, hoje de fama mais atrelada à Argentina do que à própria terra de origem. Os vinhos devem ter um percentual mínimo de 70% de Malbec e são sempre tintos;

- Coteaux du Quercy AOP: se em Cahors a Malbec reina no corte tinto, em Coteaux du Quercy a cepa Cabernet Franc deve estar presente em no mínimo 40% do assemblage. Eqüidistante do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo, sofre também influência continental. Conhecida por sua gastronomia, baseada em diversos preparos do pato;

- Fronton AOP: o preferido de diversos nobres e cavaleiros franceses nos tempos medievais, o vinho aqui produzido concilia a vivacidade com boa estrutura de forma impecável. Uma das responsáveis, talvez, seja a cepa tinta Négrette, cepa autóctone que não cresce em nenhum outro lugar do mundo. Produz principalmente tintos, mas também rosados;

- Gaillac AOP: inserida dentro da IGP Côtes du Tarn, possui alguns dos vinhedos mais antigos da França. Talvez a região do sudoeste francês com maior diversidade de cepas autóctones e estilos de vinhos;

- Irouléguy AOP: apelação situada no “País Basco”, quase desapareceu durante o século XX, porém foi recuperada nos anos 1950. Produz vinhos únicos, de estilo quase inimitável;

- Jurançon AOP: situada aos pés dos Pireneus, produz unicamente vinhos brancos em dois estilos: um seco e um doce muito celebrado na Europa. Região que sofre constantemente com as geadas na primavera, o que orienta o treinamento da videira para o alto;

- Madiran AOP: tradicional produtora de tintos da cepa Tannat – em cortes com Cabernet Sauvignon e/ou Cabernet Franc, ou varietal – tem orientado sua produção para vinhos mais jovens, frutados, em paralelo aos conhecidos tintos robustos, texturizados e de boa guarda;

- Marcillac AOP: esta apelação, localizada no extremo leste do sudoeste francês, dedica seus esforços quase que exclusivamente a tintos a base da cepa autóctone Fer Servadou. São vinhos tintos leves, rústicos, com notas de especiarias e taninos suaves;

- Monbazillac AOP: conhecida apelação, famosa pela produção de brancos doces, alguns comparáveis aos famosos Sauternes de Bordeaux, porém de preços mais acessíveis. Também produz tintos;

- Pacherenc du Vic-Bilh AOP: “irmã” branca da AOP Madiran, próxima tanto do Oceano Atlântico quando dos Pireneus. Produtora de brancos secos e doces;

            - Saint Mont AOP: no coração da região, esta apelação compreende uma área que é objeto de cultivo de videiras desde o século XI. Os vinhedos são antigos, podendo chegar aos 150 anos. Seus produtores utilizam princípios modernos, voltados para o manejo sustentável das vinhas. O resultado são vinhos ao mesmo tempo tradicionais e saborosos. Produz tintos, brancos e rosados;

            - Tursan AOP: produz vinhos brancos, tintos e rosados. Os brancos possuem em seu assemblage a autóctone Baroque, muito aromática.




Suas Castas

           
            A comparação com países como Portugal e Itália pode ser injusta, mas pode-se afirmar que o sudoeste da França é a região do país com a maior diversidade de castas, brancas ou tintas. Há espaço para as cepas tradicionais, em especial aquelas cultivadas em Bordeaux, mas os melhores vinhos aqui produzidos são de cepas plantadas em mais um outro lugar no mundo, ou mesmo em mais nenhum, como a tinta Négrette, cultivada somente na AOP Fronton.




Négrette.



            Do lado das cepas brancas, temos a também autóctone Baroque – também chamada de Barroque – cultivada quase que exclusivamente na AOP Tursan. Supostamente aparentada com a famosa Sauvignon Blanc, apresenta aromas muito semelhantes a esta, e dá origem a vinhos cheios, encorpados e alcoólicos.




Baroque.


            Contudo, uma das cepas mais bem sucedidas da região é a Ugni Blanc, utilizada na produção de vinhos brancos e parte essencial do Armagnac – e também do seu “rival” Cognac. Cepa originária da Itália, onde é conhecida como Trebbiano e muito próxima da italiana Garganega, também recebe o nome de Syrah Branca. Considerada por muitos a uva de maior rendimento do mundo, dá origem a vinhos ácidos e jovens, porém seu nome está mais relacionado à produção de destilados.




Ugni Blanc.



Seus Principais Produtores

            Seguem nomes de alguns dos mais renomados produtores do Sudoeste Francês:


  • Tour des Gendres;
  • Tirecul La Gravière;
  • Château La Jaubertie;
  • Domaine de l’Herré;
  • Cocumont;
  • Beaupuy;
  • Primo Palatum;
  • Château de Cèdre;
  • Château de Lagrezette;
  • Rigal;
  • Château Lamartine;
  • La Cave de Labastide de Lévis;
  • Château Montus;
  • Château d’Aydie;
  • Clos Uroulat;
  • Château Jolys;
  • Château Bouscassé;
  • Union Plaimont;
  • Château de Bachen.





Vinho Degustado: La Galope Rosé 2013 (IGP Côtes de Gascogne)






                       
            A Domaine de l´Herré localiza-se no coração da Gasconha. Criada em 1974, seus 130 de hectares são dedicados principalmente ao cultivo de cepas brancas como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Colombard e Gros Manseng. No entanto, há uma significante produção de rosados, baseados em um assemblage de Cabernet Sauvignon e Merlot, como no caso do vinho avaliado. Utiliza-se de preceitos biodinâmicos na produção de seus vinhos, sempre muito aromáticos e vivazes. Ao vinho:


Análise Visual

Visual límpido, com coloração de baixa intensidade. Sua borda é translúcida, e o núcleo, laranja com tons acobreados;


Análise Olfativa

Aroma de média intensidade, muito agradável, primários. Fruta branca, melão, toques florais, mel. Muito fresco;


Análise Gustativa

Seco, de média acidez, sabor de média intensidade contendo mel, fruta branca, toques cítricos. Corpo equilibrado, álcool baixo, persistência na boca de média para baixa.

Considerações Finais

Muito vivo, de boa tipicidade: pronto para beber. Peixes brancos, filé de aves grelhadas, ostras ou mesmo como aperitivo “solo” são sugestões de harmonização.


Pontuação: 90 FRP






Vinho Degustado: Les Chaix Beaucarois 2009 (AOP Monbazillac)




  

            A Les Chaix Beaucarois é uma tradicional produtora de vinhos brancos de sobremesa da AOP Monbazillac, de boa relação custo/qualidade. Foi adquirida em 2002 pelo grupo francês Marie Brizard, de Bordeaux e este, em acordo com o grupo Casino – representado no Brasil pela rede Pão de Açúcar – incluiu na linha “Club des Sommeliers” da citada rede de mercados o seu vinho doce de sobremesa, carro-chefe da vinícola. O corte, conforme legislação da AOP Monbazillac, contempla as cepas brancas Sauvignon Blanc e Sémillon. Ao vinho:


Análise Visual

Visual límpido, com coloração de alta intensidade. Sua borda é translúcida, e o núcleo, de intenso dourado;


Análise Olfativa

Aroma de alta intensidade, primário. Mel, frutas tropicais e casca de laranja em profusão;


Análise Gustativa

Doce, de média acidez, sabor de alta intensidade contendo mel e maracujá, notas cítricas. Corpo médio, álcool médio e de ótima persistência.


Considerações Finais

Doce, untuoso, delicado. Boa tipicidade: pronto para beber. Sorvete de creme, chocolate amargo e creme brulée são sugestões de harmonização.



Pontuação: 91 FRP







Fontes:

Wines of Southwest France:

Revista Adega:

LAROUSSE, Larousse do Vinho, 2007. Larousse do Brasil.




domingo, 1 de maio de 2016

Produtores: Alfredo Roca







            Iniciamos com este post uma nova série no blog, intitulada Produtores. Esta série, com posts esporádicos ao longo da existência deste site, pretende passar um pouco da personalidade do produtor, seu legado para a indústria do vinho e SEMPRE a avaliação de um ou mais de seus produtos.


            Há muitas lendas em torno da Vitis Vinifera. Lendas em torno de lugares; de acontecimentos históricos; dos vinhos em si e, claro, em torno de alguns de seus produtores. Renomados ou obscuros, a paixão pela vinicultura os une e nos presenteia com produtos fabulosos, muitos dos quais destinados a acompanhar momentos importantes de nossas vidas. Com base no exposto, este blog produz seu primeiro capítulo da série: o autor dele teve sua primeira experiência com um tinto da cepa Pinot Noir através deste vinicultor, cepa esta que serviu de porta de entrada para uma paixão por esta casta que perdura até hoje. Seu nome: Alfredo Roca.




O Produtor


Bodega da família Roca – anos 1930.



            O início do século XX viu a chegada de diversos imigrantes do sul europeu para a Argentina. Entre eles, a família Roca, que seriam os futuros avôs de Alfredo, que fundaram uma vinícola em 1912 na província de San Rafael, Argentina. Uma vez estabelecidos na região, localizada ao sul de Mendoza, obtiveram certo sucesso e transmitiram o gosto e paixão pela produção de vinhos aos seus filhos e netos. Alfredo, um destes netos, viria a demonstrar grande interesse pelo assunto, tendo formado-se em Enologia pelo Colegio Don Bosco em 1957.


            Depois de formado, Alfredo trabalhou por quase 20 anos em bodegas da região. Em 1976, em conjunto com uma família de Buenos Aires que possuía vinhedos  em San Rafael, adquiriu a área hoje ocupada pela bodega que leva o seu nome. Algum tempo depois, em um acordo com aquela família, Alfredo adquiriu 100% da recém-fundada vinícola.





Bodega Alfredo Roca – dias atuais.



            Desde o começo, Alfredo Roca privilegiou o cultivo de cepas de alta qualidade, em especial as francesas, o que o diferenciava da maioria dos produtores da região: a Argentina, àquela época, direcionava seu cultivo para “vinhos de mesa”, de qualidade discutível e grande volume de produção. A vinícola estava na direção certa: em 1987, seus vinhos varietais a base de Chenin Blanc e Merlot receberam Medalha de Ouro em uma competição internacional de vinhos realizada em Paris, França, bem como seu varietal Malbec, merecedor da Medalha de Bronze. Alfredo e sua esposa, Gladys, aproveitaram a viagem até a Europa e passaram 2 meses no Velho Continente visitando diversos países e regiões vinícolas, o que trouxe muito aprendizado para Alfredo e confirmava, sob muitos aspectos, que o direcionamento dado em sua bodega estava correto.



Alfredo Roca e seu filho, Alejandro, atual presidente e um dos enólogos da vinícola.


           
            Atualmente, Alfredo Roca continua participando da produção dos vinhos da sua vinícola homônima. Porém, seu comando passou para seu filho Alejandro, que também atua como um dos enólogos: logo demonstraria sua paixão, esforço e dedicação em continuar elevando o nome da bodega e, consequentemente, o de seu pai.



Seu Legado


            Talvez Alfredo Roca hoje não seja o maior nome do Malbec argentino, varietal tinto que adquiriu ótima reputação mundial. Porém, quando seus avôs desembarcaram da Europa na Argentina, no começo do século passado, traziam consigo esta cepa, ainda incipiente na região. Sendo uma das pioneiras do Malbec, portanto, a famíia Roca, e em especial a partir de sua terceira geração com Alfredo, contribuiu para a valorização da cepa, através de estudos e trabalho focado no aprimoramento de sua qualidade, o que ajudou de forma significativa na "educação" do povo argentino quanto ao consumo de vinhos de qualidade, em detrimento aos produtos simples até então produzidos naquele país.




Alfredo Roca.





Vinho Degustado: Alfredo Roca Family Reserve Malbec 2011 (San Rafael, Mendoza)







Análise Visual:

Visual límpido, de alta intensidade, borda rubi, apresentando núcleo rubi-escuro;


Análise Olfativa:

Aromas de boa qualidade, apresentando intensidade aromática média para alta; secundários, revelam baunilha, tostado, chocolate amargo, fruta vermelha madura;


Análise Gustativa:

Seco, de acidez na média, taninos médios, bem marcados; intensidade do sabor é alta, remetendo a amora preta, notas defumadas, tostadas. Belo corpo, de média-alta intensidade, álcool médio, com boa integração. Persistência média.


Considerações Finais:

Um típico Malbec argentino, que logo mostra seu estágio de 12 meses em barricas de carvalho. Não tão corpulento como a maioria dos seus congêneres, o que não é um defeito. Possui potencial para evoluir algo entre 6 a 8 anos. Asado de tira, porco assado e carne bovina em geral são sugestões para harmonização.




Pontuação: 90 FRP