sábado, 19 de dezembro de 2015

Serra Gaúcha




Vinhedos da vinícola Pizzato, uma das mais celebradas e tradicionais da Serra Gaúcha.


            Ambição e labor. A História têm registrado inúmeros momentos em que povos se deslocam de sua terra natal em busca de uma vida melhor e justa e, com muita vontade e sonhos a realizar, ajudam a modificar e transformar tanto as suas vidas quanto a do lugar escolhido. Por vezes esse deslocamento é involuntário, como o Êxodo hebreu, ou a fuga de grande parte da população espanhola do país durante sua Guerra Civil (1936-1939), devido a motivações políticas ou religiosas. Em outros casos, porém, estes fluxos migratórios ocorreram (e ocorrem) por motivações financeiras, em que o local almejado desponta como um “El Dorado”, capaz de trazer a prosperidade àqueles que o buscam. Para muitos italianos que viveram na segunda metade do século XIX, esse lugar era a Serra Gaúcha.


Sua História

            A região atualmente conhecida como Serra Gaúcha era habitada, antes da chegada dos colonizadores portugueses, por índios kaingang, que foram expulsos pelos chamados bugreiros (especialistas em atacar e exterminar índios). Pouco antes da imigração italiana ocorrida no século XIX, a região da Serra Gaúcha era muito pouco povoada: havia somente uma colônia, próxima à atual cidade de Bento Gonçalves, onde funcionava um entreposto que abastecia os tropeiros (condutores de tropas ou comitivas de muares ou cavalos que percorriam os centros produtores e consumidores do Brasil colonial) da época.

            Durante a segunda metade do século XIX, a América do Sul vivenciou conflitos na região da Cisplatina (os quais culminaram na independência do Uruguai), bem como a Guerra do Paraguai, maior enfrentamento militar até hoje do continente. Sendo um dos países vitoriosos deste último, e tendo como motivador o crescente belicismo da região Sul do Brasil, o Império (então sob a batuta de Dom Pedro II) decidiu estimular a vinda de imigrantes com fins exclusivos de povoamento para a região, propagandeando Europa afora as possibilidades e oportunidades de uma vida nova em uma região que, em muitos aspectos, possuía características físicas semelhantes ao continente europeu.



Família de colonos italianos.


            Por volta de 1870, a Itália vivia o ciclo final do seu Risorgimento (processo de unificação do país, então um mosaico de Estados submetidos às potências estrangeiras). O governo emergido desse processo, de início, não favoreceu os trabalhadores rurais, pois estava mais preocupado com o processo de industrialização do país, ainda relativamente precoce ao se comparar às demais potências europeias. Isso tornou a vida dos camponeses muito difícil; era necessário adaptar-se aos novos tempos, ou buscar novas regiões, lugares que pudessem oferecer a qualidade de vida outrora alcançada. Diante deste cenário, não foi surpresa que, com a publicidade massiva realizada pelo Brasil na Europa, milhares de imigrantes resolvessem tentar a sorte em um novo continente, que os recebia com muitas promessas e possibilidades.

            Uma vez estabelecidos, após um início muito difícil e repleto de provações, os imigrantes fundaram suas primeiras colônias: em 1875 surgiram Conde D’Eu e Dona Isabel, as quais se tornariam, anos mais tarde, as cidades de Garibaldi e Bento Gonçalves, respectivamente. Implantaram importantes culturas europeias na região, como o plantio de trigo, e também contribuíram sobremaneira com a expansão do cultivo do milho. No entanto, é pelo desenvolvimento da cultura da uva e seu plantio cuidadoso que a colonização italiana da região será muitas vezes lembrada: de início cepas americanas, como a Isabel (já cultivada por alemães no início daquele século, na região) e exclusivamente para consumo doméstico. Até o final do século, porém, os imigrantes já comercializavam o seu produto por todo o Estado, transportados por carretões de mulas os quais atravessavam os trechos mais íngremes da serra. Em 1898, ocorre a primeira grande expedição visando expandir os mercados consumidores do vinho gaúcho: o agricultor italiano Antonio Pierucini conduz um carregamento de vinhos (em lombos de burros) até a região de São Simão, estado de São Paulo! Dois anos depois, em condições semelhantes, o italiano Abramo Éberle traz o primeiro carregamento de vinhos sulinos à capital paulista. Em ambos os casos, toda a produção foi vendida.




Transporte de vinhos (século XIX).


            Com o aumento das vendas, aumentou-se a produção e a necessidade de armazenar e transportar de forma mais eficiente o vinho produzido. No início do século XX multiplicaram-se as tanoarias (produtoras de barris) bem como a quantidade de estradas municipais que cortavam a região. Também surgiu a necessidade de armazenar o produto: com a melhora nas condições de vida, foi possível aos produtores adquirir novos imóveis, com cômodos próprios para o armazenamento dos barris, seja para consumo próprio ou para posterior venda.



Armazenamento de barris em porão.


            Com o passar das décadas, os descendentes daquelas primeiras famílias (Pizzato, Miolo, Valduga, entre outras) aprimoraram suas técnicas, adquiriram boa reputação no mercado interno, introduziram o plantio de diversas cepas europeias e, embora em alguns momentos tenham sido seduzidos por produções de rótulos de maior apelo comercial, mantiveram com boa consistência a qualidade do vinho ali produzido, alcançando, em especial nos últimos 10 anos, notoriedade internacional com a conquista de premiações através de seus vinhos brancos, tintos e, em especial, de seus espumantes.

           
           
Sua Localização




Localização da Serra Gaúcha.


            A Serra Gaúcha localiza-se ao sul do Brasil, na altura do paralelo 29, no nordeste do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, bastante próxima à capital do estado, Porto Alegre. A Serra Gaúcha é o principal acidente geográfico do estado, com altitudes que chegam a 1.300 metros. Possui cidades muito importantes do ponto de vista econômico e turístico, como Bento Gonçalves (sede do primeiro curso superior do Brasil dedicado a Enologia), Caxias do Sul, Garibaldi, Farroupilha, entre outras.



Seu Clima e Solo

            O clima da região é de natureza temperada úmida, subtropical, com variações de temperatura regulares entre os anos e estações bem definidas (média de 17,2 graus Celsius). Nos meses do outono e inverno são comuns as geadas e, no caso do inverno, eventualmente ocorre a precipitação de neve, ambas muito prejudiciais à vitivinicultura. Nos meses subsequentes, ou seja, durante o período de brotação até a frutificação e colheita nas videiras, há boa e longa incidência de sol, o que, junto com o relevo da região, favorece o bom desenvolvimento das uvas. A distribuição de chuvas é bastante homogênea durante o ano, com média anual de altos 1800mm/ano.

            O solo da Serra Gaúcha é essencialmente areno-argiloso permeável, de coloração escura, tendo como base a rocha conhecida como basalto, com boa drenagem de água, favorecida pela topografia do vale (inclinação), não permitindo sua retenção e conseqüente alteração na qualidade dos frutos colhidos.
           
           

Suas Sub-Regiões



Vinhedo da Casa Valduga, importante produtor da região.


            A Serra Gaúcha é a primeira (e até o momento, a única) região vitivinícola do Brasil a ter obtido, em 2002, a Indicação de Procedência (IPVV) para os vinhos ali produzidos. Possui quatro áreas certificadas:

            Pinto Bandeira: contempla vinícolas em uma área total de 81 km, quase em sua totalidade no município de Bento Gonçalves (91%). O restante fica localizado na cidade de Farroupilha;

            Altos Montes: contempla vinícolas distribuídas entre os municípios de Flores da Cunha e Nova Pádua. Possui a maior altitude da região, variando entre 600 e 800 metros de altura;

            Monte Belo do Sul: contempla algumas das mais antigas plantações de videira da região. Inteiramente localizada no município homônimo;

            Vale dos Vinhedos: única região do Brasil a deter a classificação DO (Denominação de Origem), com regras mais restritas para cultivo e produção de vinhos do que as regiões supracitadas. As vinícolas estão distribuídas entre os municípios de Garibaldi, Bento Gonçalves e Monte Belo do Sul.










Selos das regiões certificadas da Serra Gaúcha.
           


Suas Castas

            As vinícolas da região da Serra Gaúcha como um todo, em um esforço unificado e louvável, tem se esforçado para seguir os requisitos necessários para obtenção dos selos de Indicação de Procedência ou Denominação de Origem. Portanto, para cada uma dessas sub-regiões, essencialmente são plantadas as cepas requisitadas na legislação vigente, a saber:



Pinto Bandeira:

Vinho tinto: Cabernet Franc, Merlot, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Tannat, Pinotage, Ancellotta, Sangiovese;

Vinho branco: Chardonnay, Riesling Itálico, Moscato Branco, Moscato Giallo, Trebbiano, Malvasia Bianca, Malvasia de Candia, Sémillon, Peverella, Viognier, Sauvignon Blanc, Gewurztraminer;

Vinho espumante branco ou rosé: Chardonnay, Pinot Noir, Riesling Itálico, Viognier. Somente método tradicional;

Vinho espumante moscatel branco ou rosé: Moscato Branco, Moscato Giallo, Moscatel Nazareno, Moscato de Alexandria, Malvasia de Candia, Malvasia Bianca.



            Altos Montes:

Vinho tinto: Cabernet Franc, Merlot, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Ancellotta, Refosco, Marselan, Tannat;

Vinho branco: Riesling Itálico, Malvasia de Candia, Chardonnay, Moscato Giallo, Sauvignon Blanc, Gewurztraminer;

Vinho rosé: Pinot Noir, Merlot;

Vinho espumante branco ou rosé: Riesling Itálico, Chardonnay, Pinot Noir, Trebbiano;

Para vinho espumante moscatel branco ou rosé: Moscato Branco, Moscato Branco – clone R2, Malvasias, Moscato Giallo, Moscato de Alexandria.

Outras variedades de Vitis Vinifera são aceitas, porém devem compor, no máximo, 15% do corte.



Riesling Itálico.


            Monte Belo do Sul:

Vinho tinto: Cabernet Franc, Merlot, Cabernet Sauvignon e Tannat (mínimo de 85%);

Vinho branco: Riesling Itálico e Chardonnay (mínimo de 85%);

Vinho espumante branco ou rosé: Riesling Itálico (mínimo de 40%), Pinot Noir (mínimo de 30%), Chardonnay (máximo de 10%) e Prosecco – Glera (máximo de 10%);

Vinho espumante moscatel branco ou rosé: Moscato Branco, Moscato Giallo, Moscato de Alexandria, Moscato de Hamburgo, Malvasia Branca, Malvasia de Cândia (mínimo de 70% de uvas Moscato).



Malvasia Branca.

  
Vale dos Vinhedos:

Vinho tinto: Merlot (cepa principal), Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon e Tannat. Varietal Merlot: Mínimo de 85% da variedade. Assemblage Tinto: Mínimo de 60% de Merlot + corte com uso das demais variedades autorizadas;

Vinho branco: Chardonnay (cepa principal) e Riesling Itálico. Varietal Chardonnay: Mínimo de 85% da variedade. Assemblage Branco: Mínimo de 60% de Chardonnay + corte com uso da Riesling Itálico;

Vinho espumante branco ou rosé: Chardonnay e/ou Pinot Noir (cepas principais), Riesling Itálico. Espumante: Mínimo de 60% de Chardonnay e/ou Pinot Noir. Elaboração somente pelo Método Tradicional.



 Merlot.




          Seus Principais Produtores

            Seguem nomes de alguns dos mais renomados produtores da Serra Gaúcha:

           
      DO Vale dos Vinhedos:

  • Adega Cavalleri
  • Adega de Vinhos Finos Dom Eliziário
  • Angheben Adega de Vinhos
  • Casa Valduga Complexo Enoturístico
  • Cooperativa Vinícola Aurora
  • Famiglia Tasca
  • Gran Legado
  • Milantino Vinhos Finos
  • Miolo Wine Group
  • Peculiare Vinhos Finos
  • PIZZATO Vinhas e Vinhos
  • Terragnolo Vinhos Finos
  • Vallontano Vinhos Nobres
  • Vinhos Don Laurindo
  • Vinhos Larentis
  • Vinhos Michelle Carraro
  • Vinhos Titton
  • Vinícola Calza
  • Vinícola Capoani
  • Vinícola Cavas do Vale
  • Vinícola Cave de Pedra
  • Vinícola Dom Cândido
  • Vinícola Torcello
  • Vinícola Toscana
  • Vinícola Almaúnica
  • Vinícola Boutique Lídio Carraro



IP Pinto Bandeira:

  • Cave Geisse;
  • Vinhos Don Giovanni;
  • Vinhos Pompéia;
  • Vinícola Valmarino;
  • Vinícola Terraças;
  • Cooperativa Vinícola Aurora.



IP Monte Belo do Sul:

  • Famiglia Tasca;
  • Adega da Serra;
  • Vinícola Calza;
  • Megiolaro;
  • Vinhos Fae;
  • Reginato;
  • Casa Ângelo Fantin;
  • Vinícola Armênio;
  • Adega Del Monte;
  • Honório Milani;
  • Santa Bárbara.



IP Altos Montes:

  • Boscato;
  • Casa Venturini;
  • Fabian;
  • Fante;
  • Luiz Argenta;
  • Mioranza;
  • Nova Aliança;
  • Panizzon;
  • Terrasul;
  • Vinhos Valdemiz;
  • Viapiana.




Vinho Degustado: Casa Valduga Premium Leopoldina Chardonnay 2012 (DO Vale dos Vinhedos)





            Uma das casas mais tradicionais do Vale dos Vinhedos, a Casa Valduga têm sua origem em 1875, com a vinda da família italiana Valduga ao Brasil. Vindos da cidade de Rovereto, cultivaram as primeiras videiras no atual Vale dos Vinhedos. Hoje gerida pelos irmãos Erielso, Juarez e João Valduga, a vinícola desponta, hoje, como produtora de rótulos de elevada qualidade, reconhecidos em diversas premiações nacionais e internacionais. Hoje, além da Serra Gaúcha, possuem vinhedos na Campanha e Encruzilhada do Sul, também no Rio Grande do Sul.

            O vinho varietal de Chardonnay avaliado tem seu nome ligado à principal via que cortava a região, à época batizada de Via Leopoldina.


Análise Visual

            O vinho apresentou visual límpido, de média intensidade, borda incolor, núcleo amarelo palha, com reflexos dourados.


Análise Olfativa

            Os aromas apresentaram alta intensidade. São primários, remetendo a frutas cítricas e abacaxi, com notas florais marcantes.


Análise Gustativa

            Seco, de alta acidez, corpo intenso, com sabor marcante de frutas tropicais, alguma untuosidade, álcool médio, persistência muito boa.


Considerações Finais

            Elegante, um pouquinho encorpado, suculento. Acompanha peixes grelhados e carne suína (javali ou porco), bem como risotos “brancos”.


Pontuação: 91 FRP




Vinho Degustado: Miolo Lote 43 2011 (DO Vale dos Vinhedos)





            Um gigante vinícola. Assim pode ser definido, dentro dos padrões relativos de “grandeza” do mundo vinícola brasileiro, o Miolo Wine Group, que possui atualmente 6 projetos vitivinícolas no Brasil, e outros em parceria com vinícolas do Chile, Argentina, Espanha e Itália. Sua origem remonta a 1897, quando Giuseppe Miolo, italiano da cidade de Piombino Dese, começou a dedicar-se ao plantio de videiras. No entanto, a comercialização de seus produtos começaria somente em 1990, com a produção de um varietal Merlot da região do Vale dos Vinhedos. É uma das vinícolas que vêm apostando no potencial da região do Vale do Rio São Francisco (a ser esmiuçada neste blog futuramente), de posicionamento geográfico incomum para a produção de vinhos de qualidade, com o seu projeto Ouro Verde.

            O rótulo analisado deve seu nome ao lote comprado por Giuseppe junto ao município de Bento Gonçalves: é considerado o produto de melhor qualidade / valor agregado da vinícola, só produzido em anos de safras de Merlot e Cabernet Sauvignon de ótima qualidade (cepas integrantes do seu corte).


Análise Visual

            Visual límpido, de alta intensidade, borda rubi, núcleo rubi escuro.
           

Análise Olfativa

Aroma de boa qualidade, intenso, secundário de frutas negras maduras, caramelo, madeira, tabaco, especiarias


Análise Gustativa

Seco, de média acidez, taninos delicados, sabor de alta intensidade de frutas negras, tabaco, algo de especiarias, alcool elevado, persistência alta.


Considerações Finais

            Em franca evolução, de nariz complexo, elegante e de boa robustez, deve atingir seu auge em cerca de 3 ou 4 anos, porém já encontra-se bom para consumo. Acompanha exemplarmente cordeiro assado, ossobuco, queijos duros e carne de pato.


Pontuação: 94 FRP




Vinho Degustado: Cave Amadeu Elementos (IP Pinto Bandeira)





            Um dos maiores orgulhos da Serra Gaúcha (talvez o maior) é a qualidade indiscutível dos espumantes ali produzidos. Tanto os “Brut” quanto aqueles feitos à base de Moscatel são renomados e alcançam frequentemente distinções mundo afora. Um dos grandes nomes, sem dúvida, é a vinícola Geisse, fundada em 1979 pelo enólogo chileno Mario Geisse. Quando foi contratado pela Möet & Chandon para ser o responsável pela sua filial brasileira, em 1976, percebeu que aquela região possuía uma aptidão natural para a produção de espumantes. Hoje, Geisse é responsável pelos espumantes mais prestigiosos do Brasil, e sua linha básica Cave de Amadeu é uma boa porta de entrada para os excelentes produtos ali feitos. Aqui avaliaremos seu varietal Moscatel.


Análise Visual

            Visual límpido, de baixa intensidade, borda incolor, núcleo amarelo palha com reflexos esverdeados.
           

Análise Olfativa

Aroma de boa qualidade, intenso, primário, remetendo a frutas cítricas, notas florais e toque de mel.


Análise Gustativa

Doce, de alta acidez, sabor de alta intensidade de frutas cítricas e maduras, corpo entre leve e médio, álcool leve, de alta persistência.


Considerações Finais

            Elegante, jovem, um pouquinho mais robusto que os Moscatéis habituais. Acompanha muito bem sorvete de frutas vermelhas, salada de frutas, queijos de massa mole. Porém é muito versátil.


Pontuação: 92 FRP




Fontes:

Info Escola:

Prefeitura de Bento Gonçalves:

Embrapa:

Uno Chapecó:

Aprovale-RS:

Aprobelo (Associação dos Vitivinicultores de Monte Belo do Sul):

Apromontes (Associação dos Produtores dos Vinhos dos Altos Montes):

Asprovinho (Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira):


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O Liebfraumilch







O Brasil é um consumidor “jovem” de vinhos de qualidade. Possuímos uma história recente de interesse, tanto no consumo quanto na produção de rótulos ditos “finos”, ou seja, aqueles derivados da fermentação de Vitis Vinifera. Portanto, ainda temos uma longa história a construir, lendas a cultivar, inovações a propor. Essa maturidade a ser conquistada, naturalmente, envolve o aprendizado com outras culturas mais “avançadas” do universo do vinho. Porém, nem sempre o contato é feliz, embora sempre seja proveitoso. É o caso vivido no Brasil pelo vinho alemão.

Rheingau. Mosel. Pfalz. Destas regiões, saem alguns dos mais atraentes e poderosos vinhos brancos do mundo. A despeito da presença de cepas como a Gewurztraminer, Pinot Gris (conhecida na Alemanha por Grauburgunder) e um crescente interesse pela tinta francesa Pinot Noir (ou Spätburgunder), em terras germânicas a Riesling é a rainha. Em pouquíssimos lugares do planeta (talvez nenhum, exceto a francesa Alsácia), esta cepa conseguiu expressar toda a sua força e suas peculiaridades. Em breve, apresentaremos uma região alemã e, claro, um Riesling de qualidade para vocês.

No entanto, ao conversarmos em uma roda de amigos sobre vinhos, muito provavelmente alguns nomes acabam vindo à pauta: França, Itália, Portugal, Chile. Por vezes, cepas: Malbec, Cabernet Sauvignon, até mesmo Chardonnay aparece no bate-papo informal. E, por vezes, nomes de regiões: Porto, Douro e, principalmente, Champagne, Bordeaux. Às vezes, Borgonha. A menção aos vinhos alemães, contudo é raríssima. E, quando ocorre, muitas vezes é de forma pejorativa: ao lado dos famigerados “vinhos de mesa”, muito populares no Brasil, é mencionado o “vinho de garrafa azul”.

Este vinho, conhecido como Liebfraumilch (tradução literal do alemão: “leite da mulher amada”, porém o tradução correta seria “Monge de Nossa Senhora”), é um branco semi-doce produzido em diversas regiões alemãs, inclusive as principais produtoras de vinhos brancos de qualidade, como as já citadas Rheingau, Mosel e Pfalz, geralmente varietais da cepa Müller-Thurgau.




Müller-Thurgau.



Sua história no Brasil remonta aos anos 1970, quando o importador brasileiro Otávio Piva de Albuquerque, em contato com o produtor alemão do vinho, Josef Friederich, sugere a este a comercialização de seu produto no Brasil, porém envasado em garrafas azuis e a um preço bem acessível. A estratégia foi muito bem-sucedida: nos anos 1980, cerca de 60% do vinho que era importado pelo Brasil vinha em garrafas azuis alemãs. Uma grande tacada de Otávio, que ainda veria, com o fim da reserva de mercado no governo Fernando Collor de Melo (1990-1992), sua importadora Expand aumentar exponencialmente sua participação no mercado.

De início, os produtores nacionais mostraram certa relutância ao novo modismo: a indústria vinícola nacional dava seus primeiros passos em evolução técnica e tecnológica e mostrava sinais de vigor em sua expansão. Com o tempo, porém, os principais produtores nacionais acabaram cedendo e produziram seus próprios vinhos brancos suaves, muitas vezes a contragosto. Alguns produtores chegaram mesmo a engarrafar seus produtos em garrafas azuis, como a Salton e seu Rannisch Wein.





Salton Rannisch Wein.



As vendas permaneceram bastante aquecidas até o início dos anos 2000 (somente o Rannish Wein supracitado vendia em torno de 2,4 milhões de garrafas/ano; o Liebfraumilch, algo em torno de 850.000). No entanto, aos poucos o consumidor médio brasileiro começou a perceber que o “vinho da garrafa azul” era de qualidade, no mínimo, duvidosa, e as vendas começaram a despencar. Ainda assim, por volta de 2008, o volume de vendas do Liebfraumilch registrava cerca de 720.000 garrafas/ano). Muitos produtores nacionais, livres do viés financeiro e ansiosos por produzir rótulos de maior qualidade e valor agregado, abandonaram seus “clones”. Alguns ainda o produzem, como a vinícola Aurora e seu Reserva Especial.




Aurora Liebfraumilch Reserva Especial.



O grande problema gerado pelo Liebfraumilch, no entanto, seria de ordem cultural: o brasileiro associou o produto ao vinho produzido na Alemanha como um todo e, uma vez desprezado, criou-se uma “barreira” ao vinho germânico, muito injustamente associado a produtos baratos e de qualidade discutível. É um cenário que, junto ao público leigo, permanece até hoje.


Não se deve culpar o Liebfraumilch por “atrasar” a evolução da nossa cultura e indústria vinícola. As variáveis mercadológicas que o levaram ao sucesso sempre vão existir. Ainda hoje, é possível encontrá-lo em mercados e, até há pouco tempo, na própria rede da Expand, discretamente, vendido ainda a um preço acessível. Cabe, pelo contrário, agradecermos a este episódio de nossa jovem história do vinho: foi através dele que muitos brasileiros tiveram o primeiro contato com a bebida e os instigou a experimentar, estudar, avaliar, questionar. E também permitiu um amadurecimento necessário e bem-vindo da nossa indústria de vinhos.



domingo, 6 de dezembro de 2015

Russian River Valley

  


Vinhedos da Foppiano Wineyards, no Russian River Valley.



            Os EUA é, ainda hoje, a maior potência política e econômica existente. Seu poder de influência estende-se por todos os cantos do planeta e, naturalmente, um dos braços deste “polvo” é a indústria do entretenimento. Juntamente com o maravilhoso mundo criado pelo gênio de Walt Disney, há a poderosa fábrica cinematográfica estadunidense, responsável pela produção de filmes lendários e marcantes, os quais muitas vezes servem de vitrine e propaganda para os ideais e rumos os quais a nação pretende imprimir ao restante do planeta. E, falando do cinema dos EUA, obviamente, Hollywood não pode ser ignorada.



Vinícola Francis Ford Coppola, Russian River Valley.


            Hollywood produz anualmente centenas e centenas de filmes, de todos os gêneros e temáticas. Estórias reais ou ficcionais, açucaradas ou extremamente violentas, ou mesmo cômicas, tendo como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial, a Idade Média, o Velho Oeste, o mundo atual e o futuro, as quais versam sobre pessoas, o mundo, questões existenciais, problemas sociais... Com um leque tão amplo, Hollywood também falaria de vinhos em seus filmes, como protagonistas ou suporte para a estória principal. Não entraremos de forma mais aprofundada nesta grande seara, a qual será objeto de futuro post, mas cabe a menção a um filme realizado em 2004, em que o vinho serve como pano de fundo para a estória: Sideways, dirigido por Alexander Payne. Essencialmente, o filme fala sobre a dificuldade de lidarmos com a perspectiva de um futuro o qual não desejamos e que talvez não tenhamos a maturidade necessária para encará-lo, tendo o vinho como coadjuvante. O personagem principal é um grande apreciador de vinhos, e em alguns momentos, demonstra uma particular paixão pela uva Pinot Noir. O filme, excelente por sinal, além de garantir prêmios para os seus realizadores, despertou grande interesse do público por vinhos, e provocou um aumento significativo das vendas de rótulos contendo esta cepa, nos EUA. E, ao analisarmos o imenso território americano, identificaremos uma região em específico, onde a Pinot Noir encontrou condições de desenvolvimento muito semelhantes à sua terra natal: estamos falando do Russian River Valley, localizado relativamente próximo a... Hollywood.


Sua História

            A região conhecida como Russian River Valley (Vale do Rio Russo) teve sua ocupação humana iniciada no século XIX, com a vinda e estabelecimento de imigrantes oriundos de países da orla do Mediterrâneo. De início uma atividade familiar, toda a produção era destinada ao consumo dos colonos.




A vinícola MacMurray, no início do século XX.



Com o decorrer das décadas, e devido à qualidade do vinho produzido na região, a atividade tornou-se uma indústria e, no início do século XX, haviam cerca de 200 vinícolas estabelecidas. Porém, com o advento da Lei Seca nos EUA veio a decadência. Muitas vinícolas abandonaram o negócio. Algumas optaram por produzir um “vinho” a base de água e açúcar conhecido como Jackass Brandy, para sobreviver. Outras, no entanto, preferiram viver na ilegalidade. Quando do final desse período da história americana, os poucos produtores ainda em atividade estavam vendendo as uvas colhidas em seu vinhedo para produtores de jug wine, um vinho semelhante aos vinhos “suaves” produzidos no Brasil.

           


Jug wine americano.


            A reviravolta viria nos anos 70, com o direcionamento dado por muitos produtores para produção de vinhos de qualidade. A Foppiano Wineyards foi a primeira vinícola a exibir o nome “Russian River” em seus rótulos, em 1973. Ao mesmo tempo, gigantes da indústria vinícola americana, como E & J Gallo e Kendall Jackson compraram e iniciaram investimentos na produção de vinhos de qualidade na região, na mesma época.  A recompensa do esforço veio em 1983, com a aprovação da região como AVA (American Viticultural Área, o equivalente às Apelações de Origem Controlada – AOC - da França e às Denominações de Origem Controlada – DOC – da Itália).

           
           
Sua Localização



Localização do Russian River Valley.


            O Russian River Valley localiza-se no estado da Califórnia, na AVA (American Viticultural Área) Sonoma Coast, que por sua vez está inserida na ABA North Coast. Curiosidade: a AVA Russian River Valley engloba somente o trecho final do rio, porém não a sua foz, que deságua no Oceano Pacífico. Fica relativamente próxima à cidade de San Francisco.



Mapa detalhado: Russian River Valley.



Seu Clima e Solo

A região, devido à sua proximidade com o Pacífico, é bastante afetada pela sua maritimidade, no sentido em que o vale costuma ser coberto pela neblina gerada pelo oceano. As oscilações de temperatura são muito altas: chegam a variar 20º C, entre o dia e a noite. Durante o inverno, o curso do rio se alarga, provendo a irrigação dos vinhedos durante a estação seca até o final da primavera. Com a chegada do verão, o calor da estação é amenizado pela citada influência marítima, devido à neblina produzida na região, propiciando um longo período de amadurecimento das uvas.

Seu solo foi formado há milhões de anos pela colisão das placas tectônicas da América do Norte e do Pacífico e erupções vulcânicas, as quais depositaram cinzas sobre camadas de rochas erodidas, o que deu origem a um solo conhecido como Goldridge Soil. Perto da cidade de Sebastopol o solo possui uma composição mais argilosa, com menor retenção de água: a argila veio das montanhas de Sonoma, carregada pelo curso dos rios cujas nascentes localizam-se em tais montanhas. Há ainda um terceiro tipo de solo, de aluvião (depósito de sedimentos de areia, cascalho e/ou lama), próximo ao curso do rio.



Suas Sub-Regiões



Vinhedos da vinícola Paul Hobbs.


            Russian River Vallley, conforme já apresentado, é uma AVA, localizada na AVA Sonoma Coast, e esta, na AVA North Coast. Possui 02 sub-regiões, também classificadas como AVA:

            Chalk Hill: abrange o nordeste de Russian River Valley. Possui solo vulcânico de giz branco, próprio para o plantio de variedades brancas como Chardonnay e Sauvignon Blanc. A maior parte das vinícolas encontram-se próximas às encostas ocidentais das Montanhas Mayacamas;




Vinhedos da vinícola Hidden Ridge, próxima às Montanhas Mayacamas, Chalk Hill.


Green Valley of Russian River Valley: localizada ao sudoeste, é a sub-região mais próxima do Oceano Pacífico. Seu solo e clima são bastante propícios ao plantio de Pinot Noir, Chardonnay e Gewürztraminer. Recebeu essa nomenclatura em 2007, porém já era uma AVA desde 1983: seu nome anterior era Solano County Green Valley, o que causava confusão com a AVA Sonoma County Green Valley, daí a alteração do seu nome.




Vinícola Rubin, Green Valley of Russian River Valley. Note a neblina oriunda da proximidade com o Oceano Pacífico, ao fundo.



Suas Castas

            Ao considerarmos o clima e solo da região, entendemos o porquê de uvas com períodos longos de maturação adaptaram-se bem ao local. Além do plantio de Sauvignon Blanc e Gewürztraminer já citados, outras duas cepas brilham no Rússian River Valley.

            A cepa tinta Pinot Noir, originária da Borgonha, encontrou ótimas condições para o seu cultivo na região. Muitos especialistas consideram o varietal Pinot Noir produzido na região (sub-região Green Valley of Russian River Valley) um rival à altura dos grandes vinhos produzidos com esta cepa na sua terra de origem. Cepa com fama de difícil cultivo e produção de vinhos, dada a sua delicadeza e sensibilidade, aos poucos vêm perdendo tal fama com a utilização de novas técnicas e novos conhecimentos em seu manejo. Os varietais de Pinot Noir do Russian River Valley costumam passar por barricas de carvalho francês, geralmente de segundo uso, possuem coloração mais intensa do que os seus congêneres borgonheses e um pouco mais de corpo que estes. O cultivo da uva responde por 19% da produção de Pinot Noir da Califórnia.



Pinot Noir.



            A cepa branca Chardonnay, que tradicionalmente encontra sua melhor expressão em terroirs semelhantes aos preferidos pela Pinot Noir, também produz vinhos marcantes na região. Contudo, costumam diferir do padrão americano para a produção de varietais desta cepa: enquanto em muitas regiões são produzidos rótulos que passam por fermentação malolática e envelhecimento em barris de carvalho, o que os tornam bem encorpados, aqui costuma-se produzir rótulos mais ao estilo do restante do “Novo Mundo”: frescos, de alta acidez, frutados.




Chardonnay.


Também são plantadas, com relativo sucesso, as seguintes cepas na região: Syrah/Shiraz, Zinfandel, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petite Syrah e Merlot (tintas) e Sauvignon Blanc (branca).



Seus Principais Produtores

            Seguem nomes de alguns dos mais renomados produtores do Russian River Valley:


  • Bogle;
  • Cartograph;
  • Christopher Creek;
  • DeLoach;
  • EnRoute;
  • Foppiano;
  • Francis Ford Coppola;
  • Gallo;
  • Gamba;
  • Iron Horse;
  • Kobler Estate;
  • La Crema;
  • Lauterbach;
  • MacMurray Ranch;
  • Martin Ray;
  • Martinelli;
  • Matrix;
  • Mueller;
  • Paul Hobbs;
  • Pellegrini;
  • Rubin;
  • Russian Hill;
  • Russian River;
  • Siduri;
  • Sonoma Cutrer;
  • St. Rose;
  • Thomas George.




Vinho Degustado: Bogle Pinot Noir 2011 (AVA Russian River Valley)





            A família Bogle é tradicional na região do Russian River Valley: desde o século XIX possuem plantações naquele local. A partir de 1968, Warren e Chris Bogle decidem plantar, após muitos estudos, 20 acres de uvas próximos a Clarksburg. Logo, a qualidade ímpar das uvas ali plantadas começaria a gerar frutos e reconhecimento nacional e internacional. Atualmente os vinhos encontram-se sob responsabilidade do diretor da vinícola Eric Aafedt e da winemaker Dana Stemmler. Sob sua batuta, o seu varietal Pinot Noir, objeto desta avaliação, foi merecedor de algumas distinções no concorrido mercado americano, tais como: Medalhas de ouro no Finger Lakes International Wine Competition 2013 e no Indy International Wine Competition 2013, de prata no California State Fair 2013 e de bronze no Orange Country Wine Society 2013 e no The Dallas Wine Competition 2013.

            Vinho adquirido na loja O Melhor Vinho do Mundo.

           

Análise Visual

            O vinho apresentou visual límpido, de média intensidade, borda rubi clara com núcleo rubi.


Análise Olfativa

            Os aromas apresentaram média intensidade. São secundários, remetendo a frutas maduras, tabaco, tostado e algo de folhas secas.


Análise Gustativa

            Seco, apresentou acidez média, equilibrada, taninos médios, corretos, média intensidade no sabor, que remete às folhas secas e ao tabaco, corpo médio e álcool muito bem integrado. Persistência alta.


Considerações Finais

            Muito equilibrado, corpo um pouco mais intenso do que o habitual dos varietais da cepa. Muito bem produzido, está em seu ápice. Acompanhamentos: aves grelhadas ou com molhos mais cremosos, risotos mais leves, queijos de massa mole e patês.


Pontuação: 91 FRP




Fontes:

Russian River Valley Winegrowers: