sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Vale do Rhône




Vinhedos da AOC Château Grillet, localizada na área setentrional do trecho francês do Rio Rhône.


            O Rhône (Ródano) é um dos principais “rios de vinho” do mundo. Corta diversas regiões vitivinícolas da Suíça e da França até o seu destino final: o Mar Mediterrâneo. Sempre foi uma importante hidrovia, atualmente servindo de ligação entre diversas cidades do sudeste francês. Em seu final, possui uma importantíssima reserva ecológica: o pântano de Camargue, reduto de espécies endêmicas (existentes somente naquele ecossistema), muitas ameaçadas de extinção. É particularmente famoso desta região o touro Camargue, de sabor forte e que, em 1996, tornou-se a primeira carne bovina a receber o selo governamental de Denominação de Origem Controlada — DOC. Os termos AOC, DOC, bem como outros, serão tema de post futuro. No entanto, neste momento é interessante saber que tratam-se de uma espécie de “certificação” obtida por um produto (vinhos, geralmente), através de avaliação de órgãos regulatórios, obedecendo a regras específicas (e rigorosas) de produção.



O pântano de Camargue


            Em seu curso, cruza diversas regiões vitivinícolas da Suíça e França, como Valais e a Savóia, regiões que serão objeto de apresentação deste blog futuramente. Porém, quando falamos deste rio, referimo-nos a um trecho particularmente famoso, os quais muitas vezes já vimos em gôndolas e lojas através dos rótulos “Côtes du Rhône”. Falemos, pois, sobre este trecho, berço de vinhos esplêndidos.


Sua História



Palácio dos Papas em Avignon. Foi a sede única da Igreja Católica pelo período entre 1309 e 1377.


            O Rhône foi importante rota comercial para as civilizações surgidas na Antiguidade em torno do Mediterrâneo, em especial os gregos e os romanos. Seu curso permitiu a penetração destes povos até o interior do continente europeu, possibilitando o comércio e influência cultural greco-romana aos povos celtas, em particular os gauleses. Os vinhos ali produzidos, em especial aqueles próximos a atual cidade de Vienne, já eram célebres entre os romanos. Pesquisas arqueológicas apontam que os povos nativos da região, antes da chegada de tais colonizadores, já produziam vinhos através de técnicas rudimentares

Dada a sua instabilidade climática (degelos nas estações quentes, os quais provocavam alagamentos em seu entorno; secas) e geológica (correntes, bancos de areia), sempre foi um rio de difícil navegação. Até o século XIX, viagens eram feitas em transportes conhecidos como “coches d’eau”, carros de água levados por homens, cavalos ou a vela. Muitos pintavam cruzes e símbolos religiosos, solicitando proteção divina quando da jornada pelo rio.

No século XIV, a cidade de Avignon, a qual localiza-se às margens do Rhône, tornou-se sede do papado, no período entre 1309 e 1377, em um período da Igreja Católica em que sua autoridade estava subordinada aos interesses dos reis da França. Deriva desta fase o chamado Grande Cisma do Ocidente, em que chegaram a coexistir dois papas (um em Roma e outro em Avignon), um período extremamente conturbado do cristianismo. Também deriva deste período um dos mais famosos vinhos desta região e, por que não, do mundo: o Châteauneuf-du-Pape, cujo vinhedo foi plantado por ordem de Clemente V, o primeiro papa de Avignon.

            Entre os séculos XVII e XVIII, os melhores vinhos do norte da região rivalizavam em reputação com os grandes rótulos de Bordeaux e da Borgonha. Quando das Guerras Napoleônicas, no início do século XIX, os portos franceses foram bloqueados, e os produtores de Bordeaux, que até então adquiriam vinhos espanhóis para dar mais coloração aos seus produtos, voltaram seus negócios para a aquisição dos vinhos escuros produzidos na sub-região de Hermitage. Infelizmente, nas décadas seguintes, houve a expansão das pragas do oídio e da filoxera (post futuro), o que afetou a produção local em termos qualitativos e, consequentemente, comerciais, cuja recuperação, pode-se dizer, foi atingida somente nos anos recentes.

            No século XX, precisamente em 1933, foi fundada a Compagnie Nationale du Rhône, criada para tornar mais fácil a navegação pelo seu curso. A despeito das interrupções decorrentes da Segunda Guerra Mundial, foram construídas diversas barragens e comportas, as quais também permitiram a geração de energia elétrica. Atualmente, cerca de 1/13 da eletricidade gerada na França provém das usinas instaladas por este projeto.
           
           
Sua Localização



Nascente do Rio Rhône, perto de Obergoms, cantão de Valais, Suíça.


            O Rhône nasce nos Alpes suíços, na região oeste daquele país. Porém, trata-se de um trecho bastante curto: logo o seu curso atravessa a fronteira com a França e corta o seu sudeste, rumo ao Mediterrâneo, formando um “delta” ao encontrar o mar.





Seu Clima e Solo

            A região possui variações drásticas de clima, conforme o rio avança rumo ao mar. Ao norte, o clima continental predomina, com estações bem delineadas e geadas freqüentes. A pluviosidade por vezes impede a floração das videiras; durante o verão, as freqüentes chuvas de granizo podem destruir em minutos o esforço de um ano inteiro do produtor. Esses “excessos” são amenizados conforme aproxima-se da costa mediterrânea, com estações mais amenas. A influência do mistral (vento frio e seco oriundo do norte, que percorre todo o vale) também é notável.    

O vale do Rhône é composto de formações rochosas, resultantes do atrito entre o Maciço Central e os Alpes. O primeiro contribui com características vulcânicas para a composição dos solos ao norte, de natureza granítica. Isso permite uma boa drenagem do solo. A superfície é composta por camadas de silício, calcário, mica, que costumam sentir os efeitos da erosão nas partes mais acidentadas: há necessidade de “reconstruí-las” manualmente. Estes trechos possuem boa incidência de sol e são pouco sujeitos aos efeitos do granizo ou gelo.
           
À medida que avança-se ao sul, o vale se amplia. As encostas tornam-se menos acidentadas; o subsolo é de natureza calcária, tanto arenosa quanto argilosa. A superfície é constituída por cascalho oriundo do processo de regressão dos glaciares, processo este ocorrido há milhares de anos.


Suas Sub-Regiões



Vinhedos localizados na AOC Coteaux-du-Tricastin.


            Os mais notáveis vinhedos do Vale do Rhône localizam-se ao norte. Iniciam-se em Ampuis. Este trecho possui oito AOCs (Appellation d’Origine Controlée – Apelação de Origem Controlada, que possuem regras para a produção de vinho de qualidade) de boa reputação:

Cote-Rôtie: esta divide-se em Côte-Brune e Cote-Blonde. Na primeira, 80% da produção são de vinhos varietais de Syrah, enquanto na segunda utiliza-se a cepa branca Viognier a fim de trazer mais equilíbrio aos Syrahs ali produzidos. É, provavelmente, o local onde obtém-se a expressão mais elegante da Syrah: seus vinhos figuram entre os melhores do mundo, alcançando altos preços;

Condrieu: região de solo granítico e com boa exposição ao Sol, que produz vinhos brancos varietais de Viognier de qualidade;

Château-Grillet: uma das menores AOCs da França, produz somente vinhos brancos varietais de Viognier, passiveis de guarda;

Saint-Joseph: região produtora de tintos varietais de Syrah e brancos com as cepas Roussanne e Marsanne. Já teve melhor reputação, devido à ampliação da sua área de abrangência. No entanto, os melhores produtores permanecem produzindo belos rótulos;

Hermitage: AOC prestigiosa e de tradição. Aqui, localiza-se um eremitério (de onde deriva seu nome francês) onde os monges e eremitas paravam para provar do vinho regional, produzido com Syrah (tintos) e Roussanne/Marsanne (brancos). Curiosidade: os vinhos desta AOC foram dados de presente pelo rei Luís XIV ao seu primo Carlos II da Inglaterra, o que fez seu prestígio crescer enormemente;

Crozes-Hermitage: assim como Saint-Joseph, também teve sua área ampliada há cerca de 60 anos, o que resultou em um declínio qualitativo. Porém, recentemente experimentou um salto qualitativo, e hoje é uma das AOCs mais interessantes da França. Produz tintos varietais de Syrah e brancos de Roussanne/Marsanne;

Cornas: pequena AOC responsável por tintos de Syrah muito potentes, os quais requerem guarda para que seu “corpo” seja amaciado;

Saint-Péray: AOC responsável por vinhos brancos, somente, utilizando-se da dupla Marsanne/Roussanne. Também há interessante produção de espumantes.

Ao sul, o domínio antes restrito às castas Syrah, Viognier, Roussanne e Marsanne cede lugar a uma enorme variedade de tipos: somente na denominação Châteauneuf-du-Pape são permitidas treze castas! Também a variedade de estilos aumenta: são produzidos vinhos fortificados, de sobremesa e roses:

Châteauneuf-du-Pape: originalmente, para a produção do famoso vinho desta região (cujas origens foram explicadas no item supra “Sua História”), eram utilizadas 13 cepas, propostas por Joseph Ducos. No entanto, a complexidade e dificuldade para obtenção de uma safra de qualidade para todas estas cepas acabou por “simplificar” o atual produto da região, composto essencialmente por Grenache, cortada juntamente com Syrah, Mourvèdre e mais alguma cepa. Também produz brancos encorpados;

Coteaux-du-Tricastin: AOC de vinhos medianos, consumidos quase que exclusivamente na região;

Côtes-du-Lubéron: recente AOC (surgida em 1985). O corte tinto permite as cepas usuais da região; para os brancos, deve sempre conter a cepa Ugni Blanc;

Côtes-du-Rhône: a maior denominação de todo o vale, responsável por cerca de 80% da produção total. Mesmo sendo tão ampla, o que poderia denotar qualidade bem inferior às demais AOCs, apresenta boas surpresas em termos de qualidade. A cepa predominante é a Grenache, geralmente compondo o corte com Cinsault, Mourvèdre e Syrah. Quanto aos brancos, domina a cepa Clairette, seguidas de Roussanne e Marsanne;

Côtes-du-Rhône-Villages: esta AOC possui uma particularidade. Os 16 municípios que a compõem podem acrescentar seu nome ao rótulo. Produção predominante de tintos à base de Grenache, eventualmente com adição de Syrah ou Mourvèdre. Quase não há produção de rótulos brancos;

Côtes-du-Ventoux: AOC responsável por vinhos simples, com algumas propriedades que destacam-se;

Gigondas: responsável pela produção de tintos e roses a base de Grenache com Syrah e Mourvèdre. Excepcionalmente surgem vinhos excepcionais na região;

Lirac: possui vinhos tintos e brancos comparáveis em qualidade ao vizinho Châteauneuf-du-Pape;

Tavel: esta AOC dedica-se à produção de roses potentes e alcoólicos. Como há o problema recorrente de a cepa Grenache oxidar rapidamente (e, consequentemente, afetar drasticamente o vinho), costuma resolver tal problema adicionando a cepa Mourvèdre;

Vacqueyras: outra AOC recente (1980), que fazia parte da AOC Côtes-du_Rhône-Villages. Tem produzido vinhos comparáveis a Châteauneuf-du-Pape, porém de preços mais acessíveis. O corte tradicional é com predominância de Grenache, juntamente com Syrah e Mourvèdre.

Beaumes-de-Venise: AOC estabelecida em 1943, responsável pelo VDN (Vin Doux Naturel – vinho doce natural, geralmente fortificado – adição de aguardente vínica durante a fermentação) conhecido como Muscat de Beaumes-de-Venise, feito a base da cepa Muscat, que vêm adquirindo certo prestígio fora de sua região (também conhecida como Moscato ou Moscatel, a mesma cepa utilizada para espumantes de sabores adocicados);

Rasteau: AOC pouco conhecida, responsável por vinhos fortificados à base das três variações de Grenache (Gris, Blanc e Noir), também sendo permitida a utilização das demais cepas tintas ou brancas da região no corte. Há duas designações para os seus vinhos: Hors d’âge (armazenados por 5 anos antes de serem vendidos) e Rancio (vinhos levados às barricas, que são deixadas ao Sol, conferindo toque oxidado).


Suas Castas

            O norte do Vale do Rhône é a pátria da Syrah (ou Shiraz), casta tinta produtora de vinhos escuros e potentes, de aromas complexos, geralmente associados a frutas negras, especiarias e violetas, a qual geralmente gera rótulos varietais (de uma só cepa/casta) nesta região. Ao sul, predomina a cepa tinta Grenache (Garnacha/Garnatxa), que dá origem a vinhos bem alcoólicos, encorpados, de aromas geralmente frutados e coloração mais clara. Também são plantadas, em menor grau, cepas como Mourvèdre, Cinsault e Syrah, entre outras.
            Há também a produção de rótulos brancos. Ao norte, as cepas Viognier (de aromas delicados, leve), Marsanne (cepa robusta, de vinhos aromáticos) e Roussanne (mais delicada, porém tão aromática quanto a Marsanne) encontram ótimas condições para expressar seu potencial, em especial na sub-região de Hermitage. Ao sul, importante é o cultivo da Grenache branca, cujos vinhos são naturalmente frescos, sendo, portanto, necessário consumi-los ainda jovens.


Seus Principais Produtores

            Seguem nomes de alguns dos mais renomados produtores do Vale do Rhône:
           
  • Yves Cuilleron;
  • Auguste Clape;
  • Domaine Courbis;
  • Jean Michel Gerin;
  • Tardieu Laurent;
  • Vidal Fleury;
  • Alain Graillot;
  • Marcel Guigal;
  • Chapoutier;
  • Gérard Chave;
  • Paul Jaboulet Ainé
  • Château de Beaucastel;
  • Château de La Gardine;
  • Château Mont-Redon;
  • Clos des Papes;
  • Château de La Tuilerie;
  • Domaine du Vieux Télégraphe;
  • Domaine de Grangeneuve;
  • Domaine de Pallières.


Vinho Degustado: Octave Crémieux 2007 (AOC Crozes-Hermitage)




            Octave Crémieux é um produtor que possui vinhedos localizados no centro da AOC Crozes-Hermitage, bem como vinhedos em diversas AOCs na Borgonha, como Puligny-Montrachet, Beaujolais, Côte de Nuits, e mesmo no Vale do Rhône, como Châteauneuf-du-Pape e Côtes du Rhône. Produz rótulos com boa qualidade e preços não muito altos. São importados para o Brasil pela Santar. O vinho a ser avaliado é da AOC Crozes-Hermitage


Análise Visual

            O vinho apresentou visual límpido, de média intensidade, borda com tons alaranjados, núcleo rubi.


Análise Olfativa

            Os aromas apresentaram média intensidade. São secundários, remetendo a lã molhada, frutas e folhas secas, e um toque sutil de especiarias.


Análise Gustativa

            Seco, apresentou alta acidez, taninos suaves, aveludados, corpo de média intensidade, sabor de especiarias e frutas secas, álccol intenso, persistência alta.


Considerações Finais

            Em elegante evolução, provavelmente em seu auge. Acompanha carnes vermelhas cozidas e ensopados, bem como pratos a base de batatas.


Pontuação: 90 FRP



================================================================


Fontes:

ZH Gastrô: Carne de touro é especialidade da Camarga, na França

Revista Adega: O Vale de Contrastes

Wikipédia


LAROUSSE DO VINHO, Editora Larousse, 2007

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Todo comentário é bem-vindo e agregador. Porém, liberdade de expressão e respeito devem andar juntos. Comentários com teor que viole tais condições serão avaliados e excluídos.